A network for students interested in evidence-based health care

Práticas comuns nem sempre são baseadas em evidências

Posted on 27th April 2018 by

Tutorials and Fundamentals

This blog is a Portuguese translation of the fourth in a series of 36 blogs, based on a list of ‘Key Concepts’ developed by an Informed Health Choices project team.   Read the English version here. With thanks to Guilherme de Mattos Queiroz and Cochrane Brazil for the translation.

—————————————————–

Medicina do Senso Comum

Diversos tratamentos são muito utilizados usualmente no meio médico sem nunca terem sido testados rigorosamente. O que essa abordagem negligencia? Bem, ela negligencia os danos que o tratamento pode causar e que nós nunca percebemos ou nunca nos preocupamos em procurar. Se um tratamento está disponível há muito tempo e ninguém percebeu qualquer efeito colateral sério, então as pessoas assumem que não há nenhum. Além disso, um tratamento que é utilizado há muito tempo pode ser seguro, mas nós realmente sabemos se ele é efetivo? Ou nós acreditamos que é efetivo porque ele é muito utilizado?

Todo tratamento deveria ser avaliado em rigorosas pesquisas e revisões sistemáticas de todas as evidências relevantes. Temos diversas lições no passado que dão ênfase a isso. Eu já me referi ao uso de drogas antiarrítmicas em pacientes tendo um infarto, Dr. Spock e Diethylstillbestrol (veja Key Concept 1.1 “Treatments can harm”). Abaixo temos mais dois exemplos de prática não baseada em evidências e suas consequências.

Exemplo 1: Terapia de Reposição Hormonal (TRH)

Em mulheres passando pela menopausa, a TRH é efetiva em reduzir os fogachos e calores que são comumente relatados. Existem evidências que a TRH também pode ajudar a prevenir osteoporose.

Depois da introdução da TRH, muitos efeitos benéficos foram reivindicados como resultado do seu uso prolongado. Por exemplo, acreditou-se que TRH prevenia infarto do miocárdio (IAM) e acidentes vasculares encefálicos (AVE), que podem ser mortais ou causar sequelas severas. No passado, por causa dessas crenças, milhões de mulheres aconselhadas por seus médicos, começaram a utilizar TRH por mais tempo do que deveriam. A evidência que apoiava estas crenças era muito incerta, mas levou anos para isso ser levado em consideração e aceito pela comunidade médica por causa da vasta utilização da TRH e sua aparente segurança.

Por mais de 20 anos, disseram para as mulheres que a TRH ia reduzir seus riscos de IAM. Isso era baseado nos resultados de estudos tendenciosos e mal conduzidos. Então, em 1997, ocorreu um alerta de que esse aconselhamento talvez estivesse errado: pesquisadores da Finlândia e do Reino Unido revisaram, sistematicamente, os resultados de pesquisas bem conduzidas. Eles descobriram que ao invés de reduzir o risco de IAM, na verdade aumentava. Mesmo depois da publicação desta revisão, alguns importantes comentaristas ignoraram essa conclusão. Entretanto, a ligação entre TRH e aumento de ocorrência de IAM tem sido desde então demonstrada em dois grandes e bem conduzidos ensaios clínicos.

Se os efeitos da TRH tivessem sido propriamente avaliados quando ela foi inicialmente introduzida e seu uso tivesse sido monitorado, então as mulheres não teriam sido informadas de maneira enganosa.

Para piorar, agora sabemos que a TRH aumenta tanto risco de AVE quanto de desenvolvimento de câncer de mama.

TRH continua sendo recomendada como tratamento para mulheres com sintomas de menopausa. Entretanto, é trágico que tenha sido promovida como uma maneira de reduzir os riscos de IAM e AVE. Embora o aumento da chance de ser acometido por essas sérias condições seja modesto, o número total de mulheres afetadas é grande simplesmente pelo fato do uso de TRH ter sido prescrita por um longo período de tempo. Assim, é bem provável que milhares de mulheres tenham tido suas vidas abreviadas por essa informação enganosa.

Exemplo número 2: Óleo de Onagra para eczema

Mesmo que tratamentos avaliados inadequadamente não matem ou causem dano, eles podem desperdiçar dinheiro.

Eczema é uma queixa cutânea que afeta crianças e adultos. As lesões cutâneas bolhosas são esteticamente desagradáveis e muito pruriginosas. Embora o uso de cremes de corticoides possam ajudar, existiam preocupações sobre seus efeitos colaterais , como descoloração e afinamento da pele. Nos anos 80, um extrato oleoso natural – óleo de onagra- surgiu como uma possível alternativa aos esteroides, com menos efeitos colaterais[4].

O óleo de Onagra contem um ácido graxo essencial chamado ácido gama-linoleico (AGL) e haviam razões plausíveis para usá-lo. Uma sugestão, por exemplo, era que o AGL era metabolizado de forma ineficiente em pacientes com eczema e isso poderia contribuir para o desenvolvimento da doença. Assim, teoricamente, oferecer suplementos de AGL deveria ajudar. O óleo de borragem contêm ainda mais AGL e também era recomendado para eczema. O AGL era considerado seguro, mas era efetivo?

Vários estudos foram realizados para esclarecer, mas os resultados foram conflitantes e os estudos publicados foram muito influenciados pela indústria de suplementos. Em 1995, o Departamento de Saúde do Reino Unido solicitou que pesquisadores não envolvidos com fabricantes de óleo de Onagra fizessem uma revisão de 20 estudos publicados e não publicados. Não foi encontrado nenhuma evidência de benefício[5].

O Departamento nunca publicou o relatório porque os fabricantes do óleo fizeram objeção. Mas 5 anos depois outra revisão sistemática sobre o uso dos dois tipos de óleo foi conduzida pelos mesmos pesquisadores. Desta vez foi publicada e mostrou que nos maiores e mais completos estudos sobre AGL não houve evidência de benefício com estes tratamentos.

Apesar disto, o uso de AGL nunca foi abandonado, e os pesquisadores estavam certos de que havia ainda algo a descobrir. Eles acreditavam que o AGL funcionava, mas talvez em doses muito maiores. Em 2003, mesmo esta hipótese foi derrubada frente a um teste cuidadosamente conduzido[6].

Quando estes resultados foram publicados, o Agencia Reguladora de Medicamentos do Reino Unido tinha retirado, em outubro de 2002, a licença do produto de duas preparações de óleo de Onagra por falta de evidência de benefício.

Entretanto, uma vez que nenhuma preocupação surgiu sobre sua segurança, o óleo de Onagra ainda se encontra disponível nas prateleiras como suplemento dietético para várias condições – a preços elevados.  Sobre seu uso para eczema, argumentos sobre sua efetividade são postos em termos vagos como “pessoas com eczema podem encontrar alívio”, “pode ajudar”, e “tem certas propriedades que podem agir como um anti-inflamatório para condições como eczema”.

 Conclusões

Estes exemplos demonstram as consequências do uso de tratamentos que não são baseados em evidências, mas que continuam a ser utilizados porque eles existem há muito tempo. Nós devemos evitar isto por várias razões: primeiro e acima de tudo, os riscos potenciais não são claros. Adicionalmente, estes tratamentos desperdiçam recursos e aumentam as esperanças dos pacientes de forma injustificável.

Quando prescrevemos um tratamento ou recebemos um tratamento, devemos sempre buscar estabelecer as informações baseadas em evidências daquele tratamento. Práticas comuns nem sempre são baseadas em evidência e isso se provou muitas vezes fatal. Nós não podemos simplesmente assumir que o tratamento é seguro ou efetivo só porque ele é utilizado há muito tempo. Esse problema é algo que tanto os pacientes quanto os médicos têm responsabilidade.

TRADUTOR: Guilherme de Mattos Queiroz

I’m a medical student at Faculdade de Medicina de Petrópolis, Rio de Janeiro. I’m mostly interested in many areas, such as public health, general clinic, orthopedics and sports medicine. If you have any questions please send me an email at guilhermemttqueiroz@gmail.com, I will be glad to help!

 

Referências

Recursos

Read the rest of the Portuguese translations in the series here

Take home message:

Tags:

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Subscribe to our newsletter

You will receive our monthly newsletter and free access to Trip Premium.